O segundo post deste blog será um micro ensaio sobre uma questão que perpassa uma das maiores - e melhores - bandeiras discursivas da filosofia política e da prática política nos dias que correm: o feminismo.
No programa Altas Horas, apresentado ao público no dia 6 de dezembro de 2014, houve a tentativa de repercutir uma pesquisa em que uma porcentagem relevante de homens demonstram o "machismo de todo dia". Pois bem, no programa em questão, Anitta, cantora, disse frases no sentido de que "as mulheres lutaram tanto para conquistar os mesmos direitos que os homens, que, quando conseguiram, quiseram tomar conta da situação e o lugar do homem". Esta foi uma alusão ao fato de que em "baladas" e mesmo em situações cotidianas, as mulheres expressam seus desejos e muitas têm abordado os homens, sem esperar que o príncipe, em seu cavalo branco, vá até elas para salvá-las de sua suposta condição de sozinhas no mundo.
Sobre a situação da abordagem direta da mulher (e até sobre a questão que a pesquisa citada trouxe sobre o uso de roupas curtas e etc), Anitta ainda soltou a pérola: "acho que se a mulher não se respeitar, ninguém vai respeitá-la. Eu vejo um comportamento feminino que dá margem para o homem achar a coisa X ou Y".
Pitty, também cantora, também estava no programa e replicou as declarações da colega. Afirmou que as mulheres ainda não conquistaram todos os direitos em igualdade, que há o que ser conquistado ainda (e torço para que seja!). Sobre as últimas declarações, Pitty foi no cerne da questão: "o que se diz de uma mulher de respeito é diferente do que se diz de um cara de respeito, e isso me incomoda, porque as pessoas te olham rebolando no palco [falando para Anitta, pois a mesma canta e dança funk] de roupa curta e acham que você está disponível. Se fosse um comportamento masculino ninguém questionaria".
Pitty possui toda a razão. Foi surpreendente, ao menos para mim, assistir Anitta dizendo aquelas frases. Confesso que conheço boa parte das músicas da Anita [meu discurso foi cooptado, vejam! Esse "confesso".... é como se eu precisasse ter vergonha de gostar de funk!]. Pois bem, conheço boa parte das músicas de Anitta, e nestas músicas a mulher é protagonista. O Protagonismo da mulher é um grande cerne do feminismo e eu falava em conversas de bar que Anitta, Valesca Popozuda e demais tinham algo a contribuir para o feminismo, vide show das poderosas e etc.
Foi também surpreendente ver a repercussão em redes sociais e ouvir, até em conversas familiares, coisas como "mas Anitta não se respeita" [em alusão às roupas curtas, ao rebolado, às músicas...], vindo de MULHERES, Mulheres fazendo slut-shaming em relação à Anitta para desclassificar o discurso dela.
O Discurso de Anitta é machista, demonstrando que mesmo ela, que, na minha expectativa, era um ícone da liberdade de posicionamento e vivência de uma mulher, está cooptada pela força simbólica da sociedade machista.
Talvez um ponto importante de se colocar é que não há problema Anitta achar que a mulher deva realmente usar roupas mais longas, ela pode achar isso se quiser. O problema é veicular isso como se fosse uma verdade observada e comprovada, dita por alguém que é exemplo para muitas mulheres. A sua cooptação simbólica pela sociedade envolvente é tal que ela não consegue ligar seu sucesso - mormente com show das poderosas - a essa quebra com as regras do jogo que era jogado até então. De "vai serginho" e "vou mostrar que sou tigrão", vimos "se não está mais a vontade, saia para onde entrei".
Isso tem muito a dizer. Como bem disse Pitty em entrevista após o episódio, feminismo é sobre igualdade, não sobre supremacia.
Então, que liberdade seja a tônica. Que as impressões "X ou Y" sejam apenas impressões que possam existir na cabeça de Homens despreparados e não maduros que ainda acreditam nas histórias de contos de fadas que os pais contavam para as irmãs, enquanto eles, em tese, estavam mais entretidos com o videogame.
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