terça-feira, 23 de junho de 2015

Tenho "direito" a criar meu/minha própri@ fascitinh@? Sobre o Plano Municipal de Educação, a Escola e a Família (algumas ideias)

É tempo - ou mais que passado o tempo - dos Planos Municipais de Educação serem construídos, votados e aplicados. O Plano Nacional previa que após um ano de publicação, os planos subnacionais deveriam ser votados e postos em atividade.

Pois bem. Em Juiz de Fora - MG, houve o início das discussões de maneira "pública" com uma Audiência Pública em que energias foram gastas sobre a tal "ideologia de gênero" (a grosso modo, a ideia de que não nascemos com o gênero definido, que o gênero é uma construção cultural a partir de nossas vivências).  Em rápido relato das votações, sabe-se que a proposta inicial do Ministério da Educação quanto ao Plano Nacional de Educação estabelecia que deveríamos ter como diretriz educacional a eliminação de preconceitos e discriminação, com expressa citação de busca pela igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual. 
Tais expressões foram suprimidas nas votações na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, sem nenhuma surpresa. Ato contínuo, na Conferência Nacional de Educação de 2014 essas expressões voltaram a ser expressamente citadas no documento final da CONAE. 

Pois bem. O Plano Nacional de Educação (http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm) traz em seu artigo 2º, inciso III, que é uma das diretrizes do PNE a "superação das desigualdades educacionais com ênfase na promoção da cidadania e da erradicação de toda forma de discriminação". Trata-se, portanto, de norma geral.

O inciso II do Artigo 30 da Constituição Federal Brasileira afirma que os Municípios podem suplementar a legislação federal e estadual, no que couber. Cabe, sim, colocar as expressões "igualdade racial", "igualdade regional", "igualdade de gênero" e "orientação sexual". Disso adveio o gasto de energia argumentativa em torno da questão.

Gostaria de refletir nessas poucas notas sobre o seguinte panorama argumentativo que foi proposto: Dom Gil, líder católico no Município de Juiz de Fora, veio a público afirmar que "dizer que as crianças nascem sem sexo e pode optar depois é um tema muito complexo e afeta a identidade natural das pessoas" (http://www.tribunademinas.com.br/dom-gil-aborda-ideologia-de-genero/). A meu ver, Dom Gil ignora por completo as diferenças entre "sexo biológico", "gênero" e "orientação sexual".  Talvez seja a cegueira para os rótulos que nos são impostos desde o nascimento, a começar pelo nosso nome "se for menino ou se for menina". Daí é de se comemorar o "nome social". Que, em futuro próximo, espero ser apenas "nome".

Nada obstante, houve argumento ainda mais....."turvo". Lendo comentários da notícia, vê-se um sujeito "argumentando" que o filho é dele e ele cria como quiser, que a escola não pode "impor" a ideologia de gênero na criação da criança. Pessoal e juridicamente tenho minhas dúvidas.

A República Federativa tem por fundamentos a Cidadania e a Dignidade Humana (art. 1º, II, III, CFRB/1988). Objetiva também construir uma sociedade livre, justa e solidária, sem qualquer tipo de discriminação e preconceito, promovendo o bem de todos (Art. 3º, I e IV, CFRB/1988).

Se essas normas constitucionais, verdadeiras diretrizes politico-normativas não bastassem, o Artigo 205 da Carta Constitucional possui diversas passagens significativas, dentre elas: "Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho".
O Artigo 206 traz como princípios da Educação, por exemplo, a "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (art 206, II) e "pluralismo de ideias" (primeira parte do inciso III, do Artigo 206). 

Note-se, assim, que a Educação é compartilhada pelo Estado e pela Família. Desse modo, tendo a afirmar que não existe direito subjetivo a criarmos nossos próprios fascitinhas em casa. Não temos, enquanto pais e educadores, o direito de educar nossos filhos com uma mentalidade castradora, discriminatória e desrespeitosa para com as diferenças. Entretanto, o Estado não é onipresente nas famílias, daí eu acreditar firmemente que a Escola tem a missão de apresentar esse contraponto apoiando a diferença, buscando a igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual.

A Liberdade também é um ponto que deve ser enfatizado aqui. Mas penso a Liberdade como não-dominação, isto é, a Liberdade que se direcione à ideia de que ninguém é obrigado a viver sob estruturas físicas e/ou simbólicas que neguem suas identidades, práticas, crenças e etc. Desse modo, a Cidadania seria mais inclusiva e contestatória, dado que as informações estão correndo livremente, com respeito e consideração pela pluralidade de vidas. Fechar os olhos ou voltá-los apenas para uma concepção religiosa binária é arbitrário do ponto de vista republicano e exclusivista por negar as diversas identidades. Além do mais, uma Educação que se feche à discussão de temas tão importantes pouco contribui para a construção de uma sociedade justa, livre e solidária e pouco contribui, ainda, para a formação cidadã de seus alunos.

Indo para o fim dessas notas, me incomodou parcialmente o posicionamento do Vereador Betão Cupolillo.  Betão é um dos grandes nomes que respeito na política, entretanto seu discurso me pareceu de um "apaziguamento" perigoso. Como entendo sua fala, Betão parece negar que a "ideologia de gênero" seja algo com o que se preocupar, posto que essa expressão não constasse no Plano Nacional de Educação. De fato, não consta. Porém, dadas as razões que tentei expressar anteriormente, é papel de nosso Município fazer constar. Betão deveria colocar o dedo na ferida e lutar pela inclusão das expressões referidas. A norma geral deixa ao bel-prazer do professor definir o que falar ou não em sala. Essas questões não devem estar à escolha dos professores, antes são discussões urgentes em nossa sociedade, que devem ser travadas. 

Se seguirmos o que propõe a nossa Carta Constitucional e nos voltarmos para a história legislativa de Juiz de Fora (este ano comemoraremos 15 anos da aprovação da Lei Rosa), é nosso dever histórico e social lutar para que nosso Plano Municipal de Educação faça constar expressamente a busca por uma Educação norteada pela igualdade racial, igualdade regional, igualdade de gênero e de orientação sexual. É nosso dever fazer valer a prática educativo-constitucional inclusiva em uma sociedade democrática, republicana e igualitária!!


domingo, 7 de junho de 2015

Inclusão: ponto de partida ou chegada? Uma breve (auto)reflexão

Foi com extrema felicidade que tive acesso à delicada campanha publicitária de O Boticário para o Dia dos Namorados. Tendo por pano de fundo uma das canções de que mais gosto, vi casais se abraçando e se presenteando nesta data comemorativa. Para minha surpresa, a empresa em questão representou também casais homoafetivos, o que foi digno de eu comemorar com efusividade em minhas redes sociais.

Pois bem. Tudo ia bem. Até que me defrontei com um texto da Geledes, site que tem como "marco de resistência" a luta da população negra, cujo título trazia a chamada para que O Boticário ficasse ligado que as mulheres negras e os homens negros amam seus companheiros e companheiros. Que a comunidade tanto heterossexual quanto a LGBT também ama e consome.

Confesso que acusei o golpe. Me senti mal por ter comemorado tão efusivamente e do alto dos meus privilégios de homem branco, classe média, hétero não ter me atentado para essa exclusão. Me senti mal porque percebi que posso ter naturalizado essa exclusão econômica e social. O texto de Geledes me deixou com vergonha de mim.

Passei os últimos dois dias pensando sobre isso. Agora há pouco, lendo uma passagem de Foucault em seu "A Ordem do Discurso", em que o "autor" é tido como "princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua coerência", essa questão me veio como novo soco. Um soco no sentido de que a partir de uma bandeira lindamente empunhada por O Boticário, a da inclusão de parte da comunidade LGBT, outra foi desastrosamente negligenciada e, possivelmente, de maneira ostensivamente proposital. E eu, de início, não me dei conta disso.

Li algumas linhas no sentido de que já era de comemorar que a empresa incluíra os LGBTs "brancos", que a inclusão é caminhar permanente. Concordo com a última parte da sentença. Discordo, entretanto, que é sem importância ou "jogar água no chopp" a bandeira levantada por Geledes. 

A inclusão tem sido uma construção; mas certamente Geledes possui a razão quando afirma que o Boticário tem até o dia 11 de junho para incluir GLBTs negros em sua campanha, para que a bandeira esteja íntegra, para que a inclusão - a mensagem que subjaz a peça publicitária - seja ponto de partida, ainda que muitas pessoas vejam isso - a propaganda - tão somente como chamado ao consumo. Ainda que seja, que seja um chamado para tod@s.