É tempo - ou mais que passado o tempo - dos Planos Municipais de Educação serem construídos, votados e aplicados. O Plano Nacional previa que após um ano de publicação, os planos subnacionais deveriam ser votados e postos em atividade.
Pois bem. Em Juiz de Fora - MG, houve o início das discussões de maneira "pública" com uma Audiência Pública em que energias foram gastas sobre a tal "ideologia de gênero" (a grosso modo, a ideia de que não nascemos com o gênero definido, que o gênero é uma construção cultural a partir de nossas vivências). Em rápido relato das votações, sabe-se que a proposta inicial do Ministério da Educação quanto ao Plano Nacional de Educação estabelecia que deveríamos ter como diretriz educacional a eliminação de preconceitos e discriminação, com expressa citação de busca pela igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual.
Tais expressões foram suprimidas nas votações na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, sem nenhuma surpresa. Ato contínuo, na Conferência Nacional de Educação de 2014 essas expressões voltaram a ser expressamente citadas no documento final da CONAE.
Pois bem. O Plano Nacional de Educação (http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm) traz em seu artigo 2º, inciso III, que é uma das diretrizes do PNE a "superação das desigualdades educacionais com ênfase na promoção da cidadania e da erradicação de toda forma de discriminação". Trata-se, portanto, de norma geral.
O inciso II do Artigo 30 da Constituição Federal Brasileira afirma que os Municípios podem suplementar a legislação federal e estadual, no que couber. Cabe, sim, colocar as expressões "igualdade racial", "igualdade regional", "igualdade de gênero" e "orientação sexual". Disso adveio o gasto de energia argumentativa em torno da questão.
Gostaria de refletir nessas poucas notas sobre o seguinte panorama argumentativo que foi proposto: Dom Gil, líder católico no Município de Juiz de Fora, veio a público afirmar que "dizer que as crianças nascem sem sexo e pode optar depois é um tema muito complexo e afeta a identidade natural das pessoas" (http://www.tribunademinas.com.br/dom-gil-aborda-ideologia-de-genero/). A meu ver, Dom Gil ignora por completo as diferenças entre "sexo biológico", "gênero" e "orientação sexual". Talvez seja a cegueira para os rótulos que nos são impostos desde o nascimento, a começar pelo nosso nome "se for menino ou se for menina". Daí é de se comemorar o "nome social". Que, em futuro próximo, espero ser apenas "nome".
Nada obstante, houve argumento ainda mais....."turvo". Lendo comentários da notícia, vê-se um sujeito "argumentando" que o filho é dele e ele cria como quiser, que a escola não pode "impor" a ideologia de gênero na criação da criança. Pessoal e juridicamente tenho minhas dúvidas.
A República Federativa tem por fundamentos a Cidadania e a Dignidade Humana (art. 1º, II, III, CFRB/1988). Objetiva também construir uma sociedade livre, justa e solidária, sem qualquer tipo de discriminação e preconceito, promovendo o bem de todos (Art. 3º, I e IV, CFRB/1988).
Se essas normas constitucionais, verdadeiras diretrizes politico-normativas não bastassem, o Artigo 205 da Carta Constitucional possui diversas passagens significativas, dentre elas: "Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho".
O Artigo 206 traz como princípios da Educação, por exemplo, a "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (art 206, II) e "pluralismo de ideias" (primeira parte do inciso III, do Artigo 206).
Note-se, assim, que a Educação é compartilhada pelo Estado e pela Família. Desse modo, tendo a afirmar que não existe direito subjetivo a criarmos nossos próprios fascitinhas em casa. Não temos, enquanto pais e educadores, o direito de educar nossos filhos com uma mentalidade castradora, discriminatória e desrespeitosa para com as diferenças. Entretanto, o Estado não é onipresente nas famílias, daí eu acreditar firmemente que a Escola tem a missão de apresentar esse contraponto apoiando a diferença, buscando a igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual.
A Liberdade também é um ponto que deve ser enfatizado aqui. Mas penso a Liberdade como não-dominação, isto é, a Liberdade que se direcione à ideia de que ninguém é obrigado a viver sob estruturas físicas e/ou simbólicas que neguem suas identidades, práticas, crenças e etc. Desse modo, a Cidadania seria mais inclusiva e contestatória, dado que as informações estão correndo livremente, com respeito e consideração pela pluralidade de vidas. Fechar os olhos ou voltá-los apenas para uma concepção religiosa binária é arbitrário do ponto de vista republicano e exclusivista por negar as diversas identidades. Além do mais, uma Educação que se feche à discussão de temas tão importantes pouco contribui para a construção de uma sociedade justa, livre e solidária e pouco contribui, ainda, para a formação cidadã de seus alunos.
Indo para o fim dessas notas, me incomodou parcialmente o posicionamento do Vereador Betão Cupolillo. Betão é um dos grandes nomes que respeito na política, entretanto seu discurso me pareceu de um "apaziguamento" perigoso. Como entendo sua fala, Betão parece negar que a "ideologia de gênero" seja algo com o que se preocupar, posto que essa expressão não constasse no Plano Nacional de Educação. De fato, não consta. Porém, dadas as razões que tentei expressar anteriormente, é papel de nosso Município fazer constar. Betão deveria colocar o dedo na ferida e lutar pela inclusão das expressões referidas. A norma geral deixa ao bel-prazer do professor definir o que falar ou não em sala. Essas questões não devem estar à escolha dos professores, antes são discussões urgentes em nossa sociedade, que devem ser travadas.
Se seguirmos o que propõe a nossa Carta Constitucional e nos voltarmos para a história legislativa de Juiz de Fora (este ano comemoraremos 15 anos da aprovação da Lei Rosa), é nosso dever histórico e social lutar para que nosso Plano Municipal de Educação faça constar expressamente a busca por uma Educação norteada pela igualdade racial, igualdade regional, igualdade de gênero e de orientação sexual. É nosso dever fazer valer a prática educativo-constitucional inclusiva em uma sociedade democrática, republicana e igualitária!!
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